segunda-feira, 27 de setembro de 2021

A MÚSICA ESPÍRITA. (Paris, grupo Desliens, 9 de dezembro de 1868, médium, Sr. Desliens.) Recentemente, na sede da Sociedade Espírita de Paris, o Presidente fez-me a honra de pedira minha opinião sobre o estado atual da música e sobre as modificações que poderiam me trazer a influência das crenças espiritas. Se não acedi em seguida a esse benevolente e simpático apelo, crede bem, senhores, que só uma causa maior motivou a minha abstenção. Os músicos, ai! são homens como os outros, mais homens talvez, e, a esse titulo, são falíveis e pecáveis. Eu não fui isento de fraquezas, e se Deus me fez a vida longa a fim de dar o tempo de me arrepender, a embriaguez do sucesso, a complacência dos amigos, as adulações dos cortesãos, freqüentemente, me arrebataram o meio. Um maestro é uma força, neste mundo onde o prazer desempenha um papel tão grande. Aquele cuja arte consiste em seduzir o ouvido, em abrandar o coração, vê muitas armadilhas serem criadas sob seus passos, e ele nelas cai, o infeliz! Ele se embriaga com a embriaguez dos outros; os aplausos lhe tapam os ouvidos, e ele vai direto ao abismo sem procurar um ponto de apoio para resistir ao arrastamento. No entanto, apesar de meus erros, tinha fé em Deus; acreditava na alma que vibrava em mim, e, livre de sua carriola sonora, depressa se reconheceu no meio das harmonias da criação e confundiu sua prece com aquelas que se elevam da Natureza ao infinito, da criatura ao ser incriado!... Estou feliz pelo sentimento que minha vinda provocou entre os espíritas, porque foi a simpatia que a ditou, e, se a curiosidade de início me atraiu, é ao meu reconhecimento que devereis a minha apreciação da pergunta que me foi colocada. Eu estava lá, pronto para falar, crendo tudo saber, quando meu orgulho caindo desvendou-me a minha ignorância. Fiquei mudo e escutei; retornei, e me instruistes, e, quando às palavras de verdade emitidas por vossos instrutores se juntaram a reflexão e a meditação, disse a mim mesmo: O grande maestro Rossini, o criador de tantas obras-primas segundo os homens, não fez, ai! senão engrenar algumas das pérolas as menos perfeitas do escrínio musical criado pelo mestre dos mestres. Rossini reuniu as notas, compôs as melodias, provou a taça que contém todas as harmonias; ele ocultou algumas chamas ao fogo sagrado; mas, esse fogo sagrado nem ele, nem os outros criaram! - Nós não inventamos: nós copiamos do grande livro da Natureza e a multidão aplaude quando não tenhamos muito deformado a partitura. Uma dissertação sobre a música celeste!... Quem poderia disto se encarregar! Que Espírito sobre-humano poderia fazer vibrar a matéria em uníssono com essa arte encantadora? Que cérebro humano, que Espírito encarnado poderia dela retiraras nuanças variadas ao infinito?... Quem possui a esse ponto o sentimento da harmonia?... Não, o homem não foi feito para semelhantes condições!... Mais tarde!... bem mais tarde!... À espera, eu virei, logo talvez, satisfazer ao vosso desejo e vos dar a minha apreciação sobre o estado atual da música, e vos dizer as transformações, os progressos que o Espiritismo poderá nela introduzir. - Hoje é muito cedo ainda. O assunto é vasto, já o estudei, mas me extravasa ainda; quando dominá-lo, se, todavia, a coisa for possível, ou melhor, quando eu o tiver entrevisto tanto quanto o estado de meu espírito mo permitir, eu vos satisfarei; mas ainda um pouco de tempo. Se um músico pode sozinho muito falar da música do futuro, deve fazê-lo como mestre, e Rossini não quer falar como escolar. ROSSINI. DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS A MÚSICA E AS HARMONIAS CELESTES. Continuação; ver o número de janeiro, p.30. (Paris, grupo Desliens, 5 de janeiro de I869. - Médium Sr. Desliens.) Tendes razão, senhores, de me lembrar minha promessa, porque o tempo, que passa tão rapidamente no mundo do espaço, tem minutos eternos para aquele que sofre sob o aperto da prova! Há alguns dias, algumas semanas, eu contava como vós; cada dia acrescentava toda uma série de vicissitudes às vicissitudes já suportadas, e a taça ia se enchendo piano, piano. Ah! vós não sabeis o quanto um elogio de grande homem é pesado para carregar! Não desejeis a glória; não sejais conhecidos; sede úteis. A popularidade tem os seus espinhos, e, mais de uma vez, me encontrei pisado pelas carícias muito brutais da multidão. Hoje, a fumaça do incenso não me embriaga mais. Eu pairo sobre as mesquinharias do passado, e é um horizonte sem limite que se estende diante de minha insaciável curiosidade. Também, as horas caem por grupos na ampulheta secular, e sempre procuro, sempre estudo, sem jamais contar o tempo escoado. Sim, eu vos prometi; mas quem pode se gabar de ter uma promessa, quando os elementos necessários para cumpri-la pertencem ao futuro? O poderoso do mundo, ainda sob o sopro das adulações dos cortesãos, pode querer mitigar o problema corpo a corpo; mas não era mais de uma luta factícia que se tratava aqui; não havia bravos, barulhentas aclamações para me encorajar e ocultar a minha fraqueza. Era, e é ainda a um trabalho sobre-humano que ataquei; é contra ele que luto sempre, e se espero dele triunfar, não posso no entanto dissimular o meu esgotamento. Estou abatido... agoniado!... repouso antes de explorar de novo; mas, se hoje não posso vos falar do que será o futuro, saberei talvez apreciar o presente: ser crítico, depois ter sido criticado. Vós me julgareis, e me aprovareis se eu for justo, o que tentarei fazer evitando as personalidades. Por que tantos músicos e tão poucos artistas? tantos compositores, e tão poucas de verdades musicais? Ai de mim! é que não é, como se acredita, da imaginação que a arte pode nascer; não há outro senhor e outro criador senão a verdade. Sem ela, nada é, ou não é senão uma arte de contrabando, de imitação, da contrafação. O pintor pode iludir e mostrar o branco, onde ele não colocou senão uma mistura de cores sem nome; as oposições de nuanças criam uma aparência, e foi assim que Horace Vernet, por exemplo, pôde fazer parecer de um branco brilhante um magnífico cavalo baio. Mas a nota não tem senão um som. O encadeamento dos sons não produz uma harmonia, uma verdade, senão se as ondas sonoras se fizerem o eco de uma outra verdade. Para ser músico, não basta mais alinhar as notas sobre uma pauta, de maneira a conservar a justeza das relações musicais; somente assim se consegue produzir ruídos agradáveis; mas é o sentimento que nasce sob a pena do verdadeiro artista, é ele que canta, que chora, que ri... ele assobia na folhagem com o vento agitado; ele pula com a vaga espumante; ele ruge com o tigre furioso!... Mas para dar uma alma à música, para fazê-la chorar, rir, uivar, é preciso em si mesmo ter sentido estes diferentes sentimento, de dores, de alegria, de cólera! É o riso nos lábios e a incredulidade no coração que personificareis um mártir cristão? Será um cético de amor que fará um Romeu, uma Julieta? É um boêmio negligente que criaria a Margarida de Fausto? Não! É preciso a paixão inteira àquele que faz vibrar a paixão!... E eis porque, quando se enegrece tantas folhas, as obras são tão raras e as verdades excepcionais: é que não se crê, é que a alma não vibra. O som que se ouve é o do ouro que tine, do vinho que crepita!... A inspiração é a mulher que se compõe uma beleza mentirosa; e, como não se possui senão os defeitos e as virtudes maquilados, não se produz senão um folheado, senão uma maquilagem musical. Raspai a superfície, e logo tereis encontrado o calhau. ROSSINI. (17 de janeiro de 1869. - Médium, Sr. Nivard.) O silêncio que guardei sobre a pergunta que o Mestre da Doutrina Espírita me dirigiu foi explicado. Era conveniente, antes de abordar esse difícil assunto, me recolher, me lembrar, e condensar os elementos que estavam sob minha mão. Eu não tinha que estudar a música, somente tinha que classificar os argumentos com método, a fim de apresentar um resumo capaz de dar a idéia de minha concepção sobre a harmonia. O trabalho, que não fiz sem dificuldade, está terminado, e estou pronto para submetê-lo à apreciação dos espíritas. A harmonia é difícil de definir; freqüentemente é confundida com a música, com os sons, resultante de um arranjo de notas, e das vibrações de instrumentos reproduzindo esse arranjo. Mas a harmonia não é isto, não mais do que a chama não é a luz. A chama resulta da combinação de dois gases; ela é tangível; a luz que ela projeta é um efeito dessa combinação, e não a própria chama: ela não é tangível. Aqui, o efeito é superior à causa. Assim o é na harmonia; ela resulta de um arranjo musical, é um efeito que é igualmente superior à sua causa: a causa é brutal e tangível; o efeito é sutil e não é tangível. Pode-se conceber a luz sem chama e compreende-se a harmonia sem música. A alma está apta para perceber a harmonia fora de todo concurso fora de instrumentação, como ela está apta a ver a luz fora de todo concurso de combinações materiais. A luz é um sentido íntimo que a alma possui; quanto mais esse sentido está desenvolvido, melhor ela percebe a luz. A harmonia é igualmente um sentido intimo da alma: ela é percebida em razão do desenvolvimento desse sentido. Fora do mundo material, quer dizer, fora das causas tangíveis, a luz e a harmonia são de essência divina; elas são possuídas em razão dos esforços que se fez para adquiri-las. Se eu comparo a luz e a harmonia, é para melhor me fazer compreender, e também porque essas duas sublimes alegrias da alma são filhas de Deus, e, por conseqüência, são irmãs. A harmonia do espaço é tão complexa, ela tem tantos graus que conheço, e muito mais ainda que me estão ocultos no éter infinito, que aquele que está colocado a uma certa altura de percepção, é como tomado de admiração contemplando essas harmonias diversas, que constituiriam, se estivessem reunidas, a mais insuportável cacofonia; ao passo que, ao contrário, percebidas separadamente, elas constituem a harmonia particular a cada grau. Essas harmonias são elementares e grosseiras nos graus inferiores; elas levam ao êxtase nos graus superiores. Tal harmonia que ofende um Espírito de percepções sutis arrebatam um Espírito de percepções grosseiras; e, quando é dado ao Espírito inferior se deleitar nas delícias das harmonias superiores, o êxtase o toma e a prece entra nele; o arrebatamento o leva às esferas elevadas do mundo moral; ele vive de uma vida superior à sua e gostaria de continuar a viver sempre assim. Mas, quando a harmonia cessa de penetrá-lo, ele desperta, ou, querendo-se, ele adormece; em todos os casos, retorna à realidade de sua situação, e nos lamentos que deixa escapar por ter descido, se exala uma prece ao Eterno, para pedir a força de revigorar-se. É para ele um grande motivo de emulação. Não tentarei dar a explicação dos efeitos musicais que o Espírito produz agindo sobre o éter; o que é certo é que o Espírito produz os sons que quer, e que não pode querer o que não sabe. Ora, pois, aquele que compreende muito, que tem em si a harmonia, que dela está saturado, que goza ele mesmo de seu sentido íntimo, daquilo nada impalpável, dessa abstração que é a concepção da harmonia, age quando quer sobre o fluido universal que, instrumento fiel, reproduz o que o Espírito concebe e quer. O éter vibra sob a ação da vontade do Espírito; a harmonia que este último traz em si se concretiza, por assim dizer; ela se exala doce e suave como o perfume da violeta, ou ela ruge como a tempestade, ou ela brilha como o raio, ou ela se lamenta como a brisa; ela é rápida como o relâmpago, ou lenta como a nuvem; quebrada como um soluço, ou unida como uma relva; é descabelada como uma catarata, ou calma como um lago; ela murmura como um riacho ou estoura como uma torrente. Ora tem a aspereza agreste das montanhas e ora a frescura de um oásis; ela é alternativamente triste e melancólica como a noite, feliz e alegre como o dia; é caprichosa como a criança, consoladora como a mãe e protetora como o pai; ela é desordenada como a paixão, límpida como o amor, e grandiosa como a Natureza. Quando ela está neste último termo, se confunde com a prece, glorifica a Deus, eleva ao arrebatamento aquele mesmo que a produz ou a concebe. Ó comparação! Comparação! Por que é preciso ser obrigado te empregar! Porque é preciso dobrar-se às necessidades degradantes e emprestar, à natureza tangível, imagens grosseiras para fazer conceber a sublime harmonia na qual o Espírito se deleita. E ainda, apesar das comparações, não se pode fazer compreender esta abstração que é um sentimento quando ela é causa, e uma sensação quando se torna efeito. O Espírito que tem o sentimento da harmonia é como o Espírito que tem a aquisição intelectual; eles gozam constantemente, um e o outro, da propriedade inalienável que acumularam. O Espírito inteligente, que ensina sua ciência àqueles que ignoram, sente a felicidade de ensinar, porque sabe que faz felizes aqueles que ele instrui; o Espírito que faz ressoar o éter dos acordes da harmonia que está nele, sente a felicidade de ver satisfeitos aqueles que o escutam. A harmonia, a ciência e a virtude são as três grandes concepções do Espírito: a primeira o arrebata, a segunda o esclarece, a terceira o educa. Possuídas em suas plenitudes, elas se confundem e constituem a pureza. Ó Espíritos puros que as contendes! descei às nossas trevas e iluminai a nossa marcha; mostrai-nos o caminho que haveis tomado a fim de que sigamos os vossos rastros! E quando penso que esses Espíritos, dos quais posso compreender a existência, são seres finitos, átomos em face do Senhor universal e eterno, minha razão fica confundida pensando na grandeza de Deus, e da felicidade infinita que ele goza em si mesmo, pelo único fato de sua pureza infinita, porque tudo o que a criatura adquire não é senão uma parcela que emana do Criador. Ora, se a parcela chega a fascinar pela vontade, a cativar e arrebatar pela suavidade, a resplandecer pela virtude, que deve, pois, produzir a fonte eterna e infinita de onde ela é tirada? Se o Espírito, ser criado, chega a haurir em sua pureza tanta felicidade, que idéia deve-se ter daquela que o Criador haure em sua pureza absoluta? Eterno problema! O compositor que concebe a harmonia, a traduz na grosseira linguagem grosseira chamada a música; concretiza a sua idéia, escreve-a. O artista estuda a forma e pega o instrumento que deve lhe permitir exprimir a idéia. O ar posto em movimento pelo instrumento, leva-a ao ouvido que a transmite à alma do ouvinte. Mas o compositor foi impotente para exprimir inteiramente a harmonia que concebia, por falta de uma linguagem suficiente; o executante, a seu turno, não compreendeu toda a idéia escrita, e o instrumento indócil do qual se serve não lhe permite traduzir tudo o que compreendeu. O ouvido é ferido pelo ar grosseiro que o cerca, e a alma recebe, enfim, por um órgão rebelde, a horrível tradução da idéia eclodida na alma do maestro. A idéia do maestro era seu sentimento íntimo; embora deturpada pelos agentes da instrumentação e da percepção, no entanto, ela produz sensações naqueles que os ouvem traduzir; essas sensações são a harmonia. A música as produziu: elas são os efeitos desta última. A música é posta a serviço do sentimento para produzir a sensação. O sentimento no compositor é a harmonia; a sensação no ouvinte é também a harmonia, com esta diferença de que ela é concebida por um e recebida pelo outro. A música é o médium da harmonia; ela a recebe e ela a dá, como o refletor é o médium da luz, como tu és o médium dos Espíritos. Ela a torna mais ou menos deturpada segundo seja mais ou menos executada, como o refletor reenvia mais ou menos bem a luz, segundo ele seja mais ou menos brilhante e polido, como o médium expressa mais ou menos os pensamentos do Espírito, conforme seja ele mais ou menos flexível. E agora que a harmonia está bem compreendida em seu significado, que se sabe que ela é concebida pela alma e transmitida à alma, compreender-se-á a diferença que há entre a harmonia da Terra e a harmonia do espaço. Entre vós, tudo é grosseiro: o instrumento de tradução e o instrumento de percepção; entre nós, tudo é sutil: tendes o ar, nós temos o éter; tendes o órgão que obstrui e vela; entre nós, a percepção é direta, e nada a vela. Entre vós, o autor é traduzido: entre nós, ele fala sem intermediário, e na língua que exprime todas as concepções. E, no entanto, essas harmonias têm a mesma fonte, como a luz da lua tem a mesma fonte que a do sol; do mesmo modo que a luz da lua é o reflexo da do sol, a harmonia da Terra não é senão o reflexo da harmonia do espaço. A harmonia é tão indefinível quanto a felicidade, o medo, a cólera: é um sentimento. Não se a compreende senão quando se a possui, e não se a possui senão quando se a adquire. O homem que é alegre não pode explicar a sua alegria; o que é medroso não pode explicar o seu medo; eles podem dizer os fatos que provocam seus sentimentos, defini-los, descrevê-los, mas os sentimentos permanecem inexplicados. O fato que causa a alegria de um não produzirá nada sobre o outro; o objeto que ocasiona o medo de um produzirá a coragem do outro. As mesmas causas são seguidas de efeitos contrários; em física isto não existe, em metafísica isto existe. Isto existe porque o sentimento é a propriedade da alma, e que as almas diferem entre si de sensibilidade, de impressionabilidade, de liberdade. A música, que é a causa segunda da harmonia percebida, penetra e transporta um e deixa o outro frio e indiferente. É que o primeiro está em estado de receber a impressão que a harmonia produz, e que o segundo está num sentido contrário; ouve o ar que vibra, mas não compreende a idéia que lhe traz. Este chega ao tédio e dorme, aquele ao entusiasmo e chora. Evidentemente, o homem que goza as delícias da harmonia é mais elevado, mais depurado do que aquele que ela não pode penetrar; sua alma está mais apta a sentir; ela se desliga mais facilmente, e a harmonia a ajuda a se desligar; ela a transporta e lhe permite ver melhor o mundo moral. De onde é preciso concluir que a música é essencialmente moralizadora, uma vez que leva a harmonia às almas, e que a harmonia as eleva e as engrandece. A influência da música sobre a alma, sobre o seu progresso moral, é reconhecida por todo o mundo; mas a razão dessa influência é geralmente ignorada. Sua explicação está inteiramente neste fato: que a harmonia coloca a alma sob a força de um sentimento que a desmaterializa. Esse sentimento existe em um certo grau, mas ele se desenvolve sob a ação de um sentimento similar mais elevado. Aquele que está privado desse sentimento a ele é levado gradativamente; acaba ele também por se deixar penetrar e se deixar arrastar ao mundo ideal, onde ele esquece, por um instante, os grosseiros prazeres que prefere à divina harmonia. E agora, se se considera que a harmonia sai do concerto do Espírito, disto se deduzirá que se a música exerce uma feliz influência sobre a alma, a alma, que a concebe, exerce também a sua influência sobre a música. A alma virtuosa, que tem a paixão do bem, do belo, do grande, e que a adquiriu da harmonia, produzirá obras-primas capazes de penetrar as almas mais endurecidas e comovê-las. Se o compositor é terra-aterra, como daria a virtude que desdenha, o belo que ignora e o grande que não compreende? Suas composições serão os reflexos de seus gostos sensuais, de sua leviandade, de sua negligência. Elas serão ora licenciosas e ora obscenas, ora cômicas e ora burlescas; elas comunicarão aos ouvintes os sentimentos que o exprimirão, e os perverterão ao invés de melhorá-los. O Espiritismo, em moralizando os homens, exercerá, pois, uma grande influência sobre a música. Ele produzirá mais compositores virtuosos, que comunicarão suas virtudes fazendo ouvir suas composições. Rir-se-á menos, chorar-se-á mais; a hilaridade dará lugar à emoção, a fealdade dará lugar à beleza e o cômico à grandeza. De um outro lado, os ouvintes que o Espiritismo terá dispostos a receberem facilmente a harmonia, sentirão, na audição da música séria, um encanto verdadeiro; eles desdenharão a música frívola e licenciosa que se apodera das massas. Quando o grotesco e o obsceno forem deixados pelo belo e pelo bem, os compositores dessa ordem desaparecerão; porque, sem ouvintes, eles não ganharão nada, e é para ganhar que eles se sujam. Oh! sim, o Espiritismo terá influência sobre a música! Como poderia sê-lo de outro modo? Seu advento mudará a arte, em depurando-a. Sua fonte é divina, sua força o conduzirá por toda a parte onde houver homens para amar, para se elevar e para compreender. Tornar-se-á o ideal e o objetivo dos artistas. Pintores, escultores, compositores, poetas pedir-lhe-ão suas inspirações, e ele as fornecerá, porque é rico, porque é inesgotável. O Espírito do maestro Rossini, numa nova existência, retornará para continuar a arte que ele considera como a primeira de todas; o Espiritismo será o seu símbolo e o inspirador de suas composições. ROSSINI.

História da Sociedade Parisiense e Revista Espírita - Enrique Baldovino